Quem Eram os Fariseus: Uma Análise Bíblica e Histórica
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Versículo-chave: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e intemperança” (Mateus 23:25).
Introdução
No Novo Testamento, poucos grupos religiosos aparecem com tanta frequência quanto os fariseus. Eles se destacam não apenas pela sua grande influência no Judaísmo, mas também por sua oposição ao ministério de Jesus Cristo. O termo “fariseu” muitas vezes evoca uma imagem negativa, associada à hipocrisia e ao legalismo, conforme apontado nas Escrituras. Entretanto, para compreender de forma justa e profunda o que eles realmente representavam, é necessário conhecer a origem, os ensinamentos e o papel que desempenharam na sociedade judaica da época.
Os fariseus eram uma das três principais seitas judaicas, ao lado dos saduceus e dos essênios. Contudo, sua influência se estendia para além da religião, alcançando as esferas sociais e culturais de Israel. Neste artigo, exploraremos quem eram os fariseus, seu surgimento, seus ensinamentos e as razões pelas quais Jesus os criticava, além de sua relevância na tradição judaica e cristã.
O Significado de “Fariseu”
O termo “fariseu” provavelmente vem do verbo hebraico parash, que significa “separar” ou “dividir”. Assim, “fariseu” pode ser interpretado como “separado” ou “aquele que se aparta”. Esta separação pode ter se referido à sua busca por uma vida espiritual mais pura, longe de influências pagãs e do sincretismo religioso da época.
Essa designação, no entanto, levanta a questão de qual seria o propósito dessa “separação”. Alguns acreditam que o termo está ligado ao desejo de se afastar das impurezas e dos costumes mundanos. Outros sugerem que essa separação tinha uma conotação política, dada a sua postura em resistir ao helenismo e à influência estrangeira sobre o povo de Israel. Os fariseus tornaram-se, assim, uma espécie de “guardiões” das tradições judaicas, defendendo a Lei Mosaica com fervor.
Origem e Contexto Histórico dos Fariseus
Os fariseus surgiram durante o período intertestamentário, um período de cerca de quatrocentos anos entre o final do Antigo Testamento e o início do Novo Testamento, caracterizado pela ausência de novos textos proféticos e por intensos conflitos culturais e religiosos. Nesse período, o povo judeu enfrentou a dominação de várias potências estrangeiras, como os gregos e os romanos. Esse contexto de desafios e ameaças à identidade judaica contribuiu para o surgimento de seitas e movimentos religiosos com o objetivo de preservar a cultura e a espiritualidade judaicas, dentre os quais se destacou o movimento dos fariseus.
Origens dos Fariseus
Influência dos Macabeus
O movimento dos fariseus está intimamente ligado ao período dos Macabeus. Em aproximadamente 167 a.C., o governante grego Antíoco IV Epifânio tentou impor a cultura e a religião helenísticas ao povo judeu, profanando o Templo em Jerusalém e proibindo a prática de tradições judaicas, como a circuncisão e a observância do sábado. Esse ataque à fé judaica desencadeou a revolta dos Macabeus, uma insurreição que buscava restaurar a liberdade religiosa e a pureza do culto a Deus. Nesse contexto, os fariseus provavelmente surgiram como um grupo que se alinhava aos “hasidim” (piedosos), que apoiaram a resistência dos Macabeus e se comprometeram a preservar a integridade da Lei judaica diante da ameaça do helenismo.
Resistência e Separação
O próprio termo “fariseu” é derivado de uma raiz hebraica (parash) que significa “separar” ou “separado”, possivelmente denotando o desejo dos fariseus de distinguirem-se dos costumes pagãos e manterem-se fiéis à pureza da Lei judaica. O movimento dos fariseus se caracterizou, então, pela ênfase em uma observância rigorosa da Torá (Lei), incluindo tanto a Lei escrita quanto a tradição oral. Eles criam que a tradição oral, que envolvia interpretações e aplicações detalhadas da Lei, era essencial para orientar o povo a viver de acordo com os preceitos de Deus, especialmente em tempos de influência estrangeira.
Desenvolvimento sob a Dominação Romana
Quando os romanos conquistaram a região da Judeia em 63 a.C., a presença de uma potência estrangeira trouxe novos desafios à vida religiosa e social dos judeus. Nesse cenário, os fariseus consolidaram-se como líderes espirituais do povo, atuando como mestres e intérpretes da Lei nas sinagogas locais. Diferente de outros grupos como os saduceus, que colaboravam com o governo romano e mantinham um vínculo mais próximo ao Templo em Jerusalém, os fariseus ganharam influência junto ao povo, defendendo a vida comunitária e a prática da fé em meio às sinagogas, o que possibilitava a preservação das tradições judaicas mesmo diante da dominação estrangeira.
Separação dos Costumes Pagãos
A separação cultural e religiosa defendida pelos fariseus refletia seu compromisso com a santidade e a pureza da Lei, e representava uma resistência ativa contra os costumes pagãos que ameaçavam diluir a identidade judaica. Essa busca por distinção estava atrelada ao zelo pela Lei mosaica, que os fariseus acreditavam ser a base da aliança entre Deus e o povo de Israel. Essa separação era, em última análise, uma tentativa de assegurar que o povo permanecesse fiel à sua identidade enquanto “povo escolhido” em meio às pressões culturais externas.
Divisão entre os Grupos Religiosos
Os fariseus eram apenas um dos principais grupos religiosos de sua época. Outros grupos, como os saduceus, essênios e zelotes, também tinham suas convicções e diferenças:
- Saduceus: Eram aristocratas e conservadores, que rejeitavam crenças como a ressurreição e os anjos.
- Essênios: Preferiam a vida em comunidade e a prática da pureza ritual.
- Zelotes: Extremistas politicamente motivados que defendiam a revolta contra o domínio romano.
Durante o governo de João Hircano (135–104 a.C.), os fariseus apareceram formalmente como um partido influente na sociedade judaica. Inicialmente, o próprio Hircano os apoiava, mas posteriormente passou a simpatizar mais com os saduceus, o que resultou em conflitos entre os grupos. Esse período de perseguição acabou por reforçar o papel dos fariseus como líderes religiosos, especialmente entre o povo.
Doutrinas e Crenças dos Fariseus
Os fariseus eram famosos por sua rigorosa observância da Torá e por sua interpretação da Lei Oral, que incluía várias tradições transmitidas de geração em geração. Eles acreditavam que além da Torá escrita, Moisés havia passado aos anciãos uma série de ensinamentos orais que deveriam ser respeitados.
Principais Doutrinas dos Fariseus
- Tradição Oral: A tradição oral era tida em alta conta e considerada tão autoritativa quanto a própria Torá. Eles acreditavam que Moisés havia recebido não apenas a Lei escrita, mas também ensinamentos orais que precisavam ser seguidos com rigor.
- Soberania de Deus e Responsabilidade Humana: Os fariseus acreditavam na soberania de Deus, mas também na responsabilidade moral de cada pessoa. Eles sustentavam que, embora Deus estivesse no controle, cada indivíduo deveria fazer escolhas morais.
- Imortalidade da Alma e Ressurreição: Diferente dos saduceus, os fariseus defendiam a crença na imortalidade da alma e na ressurreição dos mortos, conceitos fundamentais para a doutrina cristã posterior.
- Castigo e Recompensa na Vida Futura: Os fariseus ensinavam que cada pessoa receberia castigo ou recompensa na vida futura, de acordo com suas ações na vida presente. Essa ideia de retribuição estava alinhada à crença na vida após a morte.
- Observância das Leis Sabáticas e do Dízimo: Eram extremamente rigorosos na observância das leis sabáticas e enfatizavam a importância do dízimo como parte da devoção a Deus. Em relação ao sábado, eles tinham regras detalhadas para garantir que o dia fosse santificado.
Os Fariseus no Tempo de Jesus
No Novo Testamento, os fariseus são apresentados com frequência, geralmente em contraste com os ensinamentos de Jesus. A maioria dos integrantes desse grupo era formada por escribas e professores da Lei, que buscavam zelosamente observar as Escrituras e suas tradições.
Críticas de Jesus aos Fariseus
Jesus criticou os fariseus em várias ocasiões, principalmente por sua hipocrisia e orgulho. Embora seguissem rigorosamente as leis, os fariseus tinham uma visão legalista da religião, enfatizando regras externas enquanto negligenciavam o amor e a justiça. Por isso, Jesus frequentemente os repreendia:
- Sepulcros Caiados: Jesus comparou os fariseus a sepulcros caiados, bonitos por fora, mas impuros por dentro (Mateus 23:27).
- Cegos Guiando Cegos: Ele os chamou de “guias cegos” que levavam outros ao erro, devido à falta de discernimento espiritual (Mateus 15:14).
- Justificação Pelas Obras: Os fariseus acreditavam que a obediência rigorosa às leis os justificaria, porém Jesus expôs que a verdadeira justiça vinha de um coração transformado.
A Influência dos Fariseus na Perseguição a Jesus
Os fariseus estavam entre os principais responsáveis pela perseguição de Jesus, muitas vezes tramando contra ele e buscando pegá-lo em armadilhas. Contudo, nem todos os fariseus eram contrários a Jesus: Nicodemos e José de Arimateia eram exemplos de fariseus que buscavam sinceramente a verdade.
Fariseus Notáveis na História Bíblica
Embora o Novo Testamento apresente muitas críticas ao farisaísmo, alguns fariseus destacados nas Escrituras desempenharam papéis importantes e demonstraram atitudes diferentes em relação a Jesus e ao movimento cristão. Abaixo, destacamos alguns dos fariseus mais conhecidos, cujas histórias refletem uma variedade de posturas e influências no contexto do Novo Testamento.
Nicodemos
Nicodemos é talvez um dos fariseus mais conhecidos por sua curiosidade e abertura em relação a Jesus. Em João 3, Nicodemos, descrito como “príncipe dos judeus”, busca Jesus à noite para entender mais sobre Seus ensinamentos. Ele expressa um interesse sincero em compreender a identidade e a missão de Jesus, reconhecendo que Ele é um mestre vindo de Deus. Durante essa conversa, Jesus introduz a ideia do “novo nascimento”, explicando a necessidade de nascer de novo, o que impacta profundamente Nicodemos. No final do Evangelho de João, vemos Nicodemos novamente, ajudando José de Arimateia a cuidar do corpo de Jesus após a crucificação, um ato de respeito e coragem que demonstra sua transformação e compromisso.
Gamaliel
Outro fariseu importante no contexto do Novo Testamento é Gamaliel, um renomado mestre da Lei e membro do Sinédrio. Em Atos 5, Gamaliel defende os apóstolos de Jesus durante um julgamento perante o conselho judaico. Ele aconselha cautela ao lidar com os seguidores de Jesus, afirmando que, se o movimento for de origem humana, ele se dissipará, mas, se for de Deus, ninguém poderá detê-lo. Gamaliel, neto de Hilel, um dos maiores rabinos da época, era conhecido por sua sabedoria e equilíbrio. Sua atitude conciliadora e respeito à soberania divina revelam uma visão moderada e pragmática dentro do farisaísmo.
Saulo de Tarso (Apóstolo Paulo)
Antes de sua conversão dramática, Saulo de Tarso, posteriormente conhecido como o Apóstolo Paulo, foi um fariseu zeloso. Ele descreve-se como um fariseu “segundo o rigor da Lei” (Atos 26:5) e perseguia ativamente os cristãos, considerando-os uma ameaça à pureza do judaísmo. Contudo, sua experiência transformadora no caminho para Damasco, narrada em Atos 9, levou-o a se tornar um dos maiores missionários do cristianismo. Paulo é um exemplo de como a graça de Deus pode transformar até os corações mais endurecidos, e sua história testemunha a profundidade de sua formação farisaica, que contribuiu para seu entendimento das Escrituras e para sua dedicação ao Evangelho.
Os Fariseus no Ministério de Jesus
Além dos nomes específicos, muitos fariseus aparecem no ministério de Jesus como aqueles que questionam, confrontam e até tentam desviar as Suas ações. Em várias ocasiões, eles desafiam Jesus sobre questões de observância da Lei, como a guarda do sábado e o ritual de purificação, como observado em Mateus 12:1-14 e Marcos 7:1-13. Esses embates refletem as diferenças entre a ênfase de Jesus no amor e misericórdia e a interpretação rigorosa e legalista dos fariseus. Jesus frequentemente repreende esses líderes religiosos, chamando-os de “hipócritas” e criticando sua superficialidade espiritual.
Fariseus Convertidos e Simpatizantes
Apesar da hostilidade geral entre os fariseus e Jesus, alguns, além de Nicodemos e Paulo, mostraram simpatia ou respeito pelo cristianismo. Em Atos 15:5, por exemplo, encontramos fariseus que se converteram e faziam parte da igreja primitiva. Esses homens defendiam a ideia de que os gentios convertidos ao cristianismo deveriam observar a Lei de Moisés, uma postura que gerou debates na comunidade cristã primitiva sobre a relação entre a fé cristã e a tradição judaica. Esses fariseus convertidos refletem a complexidade da transição do judaísmo para o cristianismo e a continuidade de tradições farisaicas no pensamento teológico.
Esses personagens, com suas histórias e decisões, ilustram que o farisaísmo, apesar de muitas vezes criticado, era um movimento diversificado, e muitos de seus membros procuravam verdadeiramente a Deus, embora com diferentes compreensões e abordagens.
Legado dos Fariseus e Suas Contribuições
Apesar das críticas, os fariseus tiveram um papel importante no desenvolvimento da religião judaica, especialmente no que se refere à interpretação e preservação da Lei.
A Base para o Judaísmo Rabínico
- Início da Tradição Rabínica: Após a destruição do Templo em 70 d.C., as ideias e tradições farisaicas foram fundamentais para a formação do judaísmo rabínico.
- Estudo e Ensino: Os fariseus valorizavam o estudo das Escrituras e a transmissão dos ensinamentos para as próximas gerações.
Contribuições para a Espiritualidade
- Dedicados à Lei: Sua devoção à Lei inspirou gerações de judeus a serem firmes em sua fé, mesmo em meio a perseguições.
- Relação com o Sagrado: Eles incentivaram a busca de uma vida de santidade e pureza.
Conclusão: Lições dos Fariseus para a Vida Cristã
Embora frequentemente retratados como antagonistas nos Evangelhos, os fariseus oferecem importantes lições para os cristãos de hoje. Sua dedicação à Lei de Deus e ao ensino bíblico é inspiradora, mas também serve como um alerta contra o legalismo e a hipocrisia. Jesus nos chama a buscar uma vida de integridade e sinceridade, não apenas na observância de regras, mas na prática do amor e da misericórdia. Ao conhecermos os fariseus, entendemos a importância de examinar nossas próprias motivações e buscar a verdadeira comunhão com Deus.
Perguntas Frequentes sobre os Fariseus
1. Os fariseus eram todos hipócritas?
Nem todos os fariseus eram hipócritas. Alguns buscavam sinceramente obedecer a Deus e conheciam a importância da misericórdia e justiça, como Nicodemos.
2. Por que Jesus criticou tanto os fariseus?
Jesus criticava a hipocrisia e o legalismo que alguns fariseus praticavam, pois eles enfatizavam regras externas enquanto negligenciavam a compaixão e a justiça.
3. Qual era a diferença entre fariseus e saduceus?
Os fariseus acreditavam na ressurreição e na Lei Oral, enquanto os saduceus rejeitavam a Lei Oral e não acreditavam em ressurreição nem em anjos.
4. Os fariseus ainda existem?
O movimento farisaico original não existe mais, mas seus ensinamentos foram incorporados ao judaísmo rabínico, que é a base do judaísmo moderno.
5. Como os fariseus influenciaram o cristianismo?
Os debates e ensinamentos de Jesus sobre o legalismo farisaico ajudaram a moldar a mensagem cristã de graça, misericórdia e justiça espiritual.